Ruídos

O vento sopra fazendo barulho… assobiando. A porta range, abrindo e fechando, cantando e dançando pelo ritmo do vento.
Casais apaixonados beijam-se na praça central, fazendo estalos ao juntar labios sedentos pelo outro. Casais jovens, adultos e casais maduros.
O cachorro late e corre atrás do carro que também corre. Mas parado, cansado, ele continua a latir.
O caminhão buzina quando entra no túnel, e o eco intimida os transeuntes que seguem seu rumo.
O guarda apita para acabar com a bagunça de crianças que assustam as senhoras, usando estalinhos e cornetas. As senhoras se assustam, e gritam “ai”… e dão sermões.
A passeata passa em protesto por alguma coisa, mas não sei do que, pois todos falam junto. É confuso.
Um passarinho pousado no fio deve estar cantarolando o amor pelas flores, mas não sei, pois não consigo ouvi-lo. Mas se ele estiver calado, que triste seria.
Existe uma feira logo no fim da rua, hoje é dia disso: “moça bonita não paga, mas também não leva”. O mundo está perdido sem os cavalheiros que pagam a conta.
Um bebê chora, e a mãe de primeira viagem em vão tenta acalma-lo. É o dentinho que está nascendo, mas ela acha que é fome, manha ou dor de barriga. E ele chora.
A vizinha apaixonada (só pode), curte músicas na vitrola da vozinha já falecida, e como num ritual, dança em frente ao espelho que fica de costas pra janela.
E no meio disso tudo, não encontro o meu silencio para escrever.

O Palhaço Que Nunca Riu

Palhaço Triste
Havia um homem que nascera em um lar com gerações de palhaços. Ele sempre presenciara em sua casa o conto do palhaço que se maquiava, divertia outros, fazia shows de risos e gargalhadas, mas que, ao se despir daquele personagem vivia uma vida vazia e triste. Deste conto, gero outro com vários pontos a mais. Desde muito pequeno ele era inserido nesta rotina, para que um dia seguisse com maestria o dom da família.
Mesmo convivendo em meio a risos e choros, ele decidiu se dedicar a apenas um deles. Seria o riso, mas o lado triste prevalecera e ja o preenchera sem pedir licença, pois era o que ele tinha disponível naquela casa sem espectadores e platéias.  Ele se maquiava de palhaço, com nariz vermelho e bocão, na esperança de ver em seu rosto aquele sorriso que encantava multidões, mas não adiantava.. ele se esforçava, mas a maquiagem borrava e os pancakes coloridos e traços precisos eram inúteis na tentativa de encontrar razões para sorrir.
Um dia ele foi apresentado aos palcos, aquele famoso picadeiro de um circo de renome ou de bairro talvez, não importa, era a sua estréia, e enfim ele poderia achar a razão do seu sorrir.
Mas não! Ele se desesperou e chorou em frente a multidões. A platéia foi a loucura com aquele espetáculo do palhaço triste envolto por palhaços que zombavam com brincadeiras atrapalhadas.
Fim de apresentação, e com outras na lista. Foi sucesso absoluto. O palhaço que só era palhaço porque queria rir e não conseguia. Não sorriu, mas cumpriu com sua missão de ser o Anti-Palhaço-Herói dos contos que circulam por aí. Cumpriu a missão, mas nunca riu, pois ser palhaço não era ser só um personagem.
Eis um drama de final (nem tão) feliz (assim).